terça-feira, 3 de março de 2009

O caso da indústria de corantes

Durante séculos o homem utilizou corantes naturais. O vermelho das capas dos romanos – a púrpura de Tiro-, por exemplo, provinha de um molusco, o Murex branduris e o Murex trunculus. Outro corante bastante conhecido, o índigo, ainda hoje é utilizado nas calças jeans. Extraído da planta Isatis tinctoria, esse corante tornou-se bastante conhecido dos egípcios, dos gregos, dos romanos e dos bretões.


O químico inglês Willian Henry Perkyn (1838-1907) procurou sintetizar o corante malva (também conhecido como malveína) para obter um produto de especificações e características mais constantes que o material natural.

Em 1856, ele patenteou o processo de síntese da malva, baseado na oxidação da anilina com dicromato de potássio.

Em 1857, junto com pai e irmão, montou uma indústria na Inglaterra, destinada à fabricação desse produto.
Após essa descoberta, houve uma corrida dos químicos para conseguir sintetizar outros corantes.

Pode-se ter uma idéia do impacto da descoberta do corante sintético Malveína, pelo fato de ainda hoje se utilizar o termo "anilina" para designar qualquer substância corante.


A maioria deles foi sintetizada na Alemanha permitindo o estabelecimento de uma grande indústria química naquele país.
No fim do século XIX, as pequenas e médias fábricas germânicas foram se unindo em aglomerados, os cartéis, e no século XX, formaram o grande complexo IG Farben (Interessengemeinschaft Farbenindustrie Aktiengesellschaft ou Sindicato das Corporações das Indústrias de Corantes), que teve um marcante impacto econômico no mercado mundial.
O efeito da escola de Liebig explica o fato da investigação e da fabricação de corantes ter nascido na Inglaterra, mas frutificado na Alemanha.

Iniciada na Universidade de Giessen em 1825. Primeira escola da formação de profissionais de químicos teve tanta influência que todos os químicos importantes do século de XIX foram alunos de Liebig ou de seus antigos alunos.
Embora Inglaterra e França tivessem grandes químicos que acompanharam e desenvolveram a revolução iniciada por Lavoisier, esses dois países não se preocuparam com a formação voltada pra profissionais de química.


E na Alemanha, a situação era totalmente oposta, fortes na educação científica e entusiastas no emprego de cientistas na indústria. Lá, portanto, intelectos puderam seguir a trilha aberta por Perkin, por exemplo, em 1883, Adolf vom Baeyer (1835-1917), sintetizou o índigo.



Outros corantes se sucederam, firmas de organizaram, e como já dito, se englobaram em associações de interesse, os cartéis.

Laboratórios de Pesquisa (P&D) se instalaram e foram utilizando o serviço dos melhores cérebros.
Exemplo disso, logo no começo do século XX, a IG Farben contratou o grande químico Fritz Haber (1868-1934) – que desenvolveu a síntese da amônia – para atuar como conselheiro e recrutar pós-graduados brilhantes, com doutoramento em química, nos melhores centros de ensino dessa área.

O impacto dos corantes na agricultura e na medicina

É preciso ressaltar que a substituição dos corantes naturais por produtos sintéticos liberou enormes extensões cultiváveis em todo o mundo para o plantio de espécies nobres, alimentícias.
Na Índia, os grandes fazendeiros abandonaram a produção de Isatis tinctoria (índigo), e passaram então a produzir arroz.
Apesar da reviravolta econômica que o término da exportação de índigo (8000 toneladas em 1897) possa ter representado para os indianos, o efeito em longo prazo da expansão da agricultura de subsistência não pode ser menosprezado.

O estabelecimento de uma ativa indústria de corantes ao longo da segunda metade do século XIX causou um grande impacto na biologia e na medicina.

A observação de células e tecidos ao microscópio pôde ser enriquecida utilizando corantes.
Detalhes, características e padrões, que de outra forma são invisíveis em uma célula, tornaram-se evidentes.

Hans Christian Gram, introduziu em 1884, uma técnica de diferenciação de bactérias empregando corantes adequados. Destinada à identificação de espécies causadoras de doenças é usada até hoje.

Nas aplicações médicas dos corantes, destacam-se Robert Koch (1843-1910) e seu aluno Paul Enrich (1854-1915).

As propriedades químicas do cimento


Não só os corantes ou a amônia mostram a importância do conhecimento cientifico e químico, em particular. As pesquisas a respeito da constituição do cimento e do seu processo de secagem tiveram de aguardar os avanços da compreensão teórico-prátrica e das técnicas analíticas. Em 1883, cerca de 50 anos após a introdução do cimento Portland, o destacado químico francês Henry Louis lê Chatelier (1850-1936) usou métodos petrográficos para estudá-lo. Contudo, era muito difícil entender como diferentes fases, cada uma equivalendo a uma porção homogênea, poderiam coexistir. Le Chatelier não dispunha de meios nem ao menos para saber quantas fases diferentes poderiam ser achadas!


Em 1878, o físico e matemático norte-americano Josiah Willard Gibbs (1839-1903) havia publicado, em obscuros Anais da Academia de Ciências de Connecticut, a sua regra das fases. Ela estabelece quantas fases podem coexistir quando se mistura um dado numero de componentes, dentro de condições determinadas. Alguns anos transcorreram até que que as idéias de Gibbs atingissem os meios acadêmicos mais desenvolvidos do que eram então os dos Estados Unidos. Somente em 1915 o equilíbrio de fases em silicatos foi adequadamente analisado, através da regra de fases de Gibbs, e estendido ao cimento. Daí em diante, a melhor compreensão acerca desse importante material de construção facilitou as tarefas de arquitetos e especialistas em edificações.

O impacto da síntese da amônia

O processo de síntese da amônia, criado por Fritz Haber e transportado para escala industrial por Carl Bosch (1874-1940), permitiu à Alemanha resistir ao cerco dos aliados, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Como uma substância química pode ter atuação assim tão relevante? Isso se liga à facilidade com que pode ser submetida a uma grande variedade de transformações.

A amônia é matéria-prima para muitas outras substâncias. A sua reação com oxigênio, por exemplo, catalisada por platina, leva ao ácido nítrico. A neutralização do ácido nítrico com a amônia origina o nitrato de amônio. Esse é um material estratégico, porque pode ser empregado como adubo, na agricultura, ou como explosivo, para fins militares.

A Alemanha sitiada não podia trazer do exterior o salitre, fonte natural de nitrato para fertilizantes e munição. Mas, qualquer que fosse o cerco imposto, os aliados jamais conseguiriam cortar os suprimentos de água e ar do país e, menos ainda, impedir que as pessoas usassem seu conhecimento tecno-científico.

O ar fornece o nitrogênio, e o hidrogênio é obtido da água (por eletrólise ou decomposição catalisada). Dispondo dos reagentes de partida do processo Haber, o resto é química.

Os aliados sofreram bem mais as conseqüências do cerco imposto do que os próprios alemães. Isto porque os aliados não tinham acesso a corantes, remédios, vidros especiais, reveladores e materiais fotográficos, produzidos e exportados pela diversificada indústria química germânica.

Isso deu chance a casos pitorescos, como o do submarino alemão Deutschland, que, em 1916, por duas vezes, furou o cerco para transportar corantes da Alemanha para a indústria têxtil dos Estados Unidos.

Todas essas circunstâncias mudaram as atitudes do resto da Europa e da América do Norte para com a ciência e, em particular, para com a química. Após a Primeira Guerra Mundial, passaram a dar mais destaque à investigação química, nas universidades e nas indústrias.

Quando da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os centros de pesquisa e as indústrias químicas européias e norte-americanas atenderam não só à demanda de explosivos e de reagentes especiais, mas também à de isótopos puros para as novas armas nucleares, metais leves, borrachas sintéticas, combustíveis de aviação, óleos e gorduras sintéticos.

As competitivas associações industriais alemãs ─ nos ramos metalúrgico, mecânico e químico ─ terminaram seus dias com o fim da Segunda Guerra Mundial. Por decisão dos aliados vitoriosos, foram desmanteladas com o objetivo de "tornar impossível qualquer ameaça futura aos vizinhos da Alemanha ou à paz mundial".

A proeminente IG Farben foi dividida em três empresas menores; a Bayer, a Basf e a Hoechst. Herdeiras das sólidas infra-estruturas e do saber-fazer, elas passaram a ter papéis de destaque entre as transnacionais do ramo químico e, hoje, exercem liderança em escala global.


CURIOSIDADES


A síntese da amônia


Para se obter um bom rendimento em processos industriais, os químicos freqüentemente alteram o equilíbrio químico em vários fatores ao mesmo tempo. A síntese da amônia pelo método Haber é um bom exemplo.
Considere que o equilibro abaixo apresenta baixo rendimento e velocidade quase nula, a 25oC e 1 atm:

N2(g) + 3 H2(g) ↔ 2 NH3(g) ∆H = - 92 kJ

Para aumentar a quantidade de NH3 no menor tempo possível (lembre-se que os processos industriais precisam e bons rendimentos e baixos custos), Haber pensou em dois fatores: pressão e catalisador.

Um aumento da pressão deslocaria o equilíbrio para a direita, no sentido de menor volume. E, o catalisador faria com que o equilíbrio fosse alcançado no menor tempo possível.

Mais tudo isso ainda não era suficiente. Como proceder para aumentar a velocidade do processo?

A melhor alternativa seria aumentar a temperatura, mas nesse ponto havia um problema sério: como a reação direta é exotérmica, um aumento da temperatura aumentaria a velocidade do processo, mas deslocaria o equilíbrio para a esquerda e isso não era conveniente.

Analisando a tabela abaixo, note que:

Quanto maior a temperatura, menor o rendimento; quanto maior a pressão, maior o rendimento.

Os efeitos da temperatura e da pressão na produção de amônia pelo método Haber (% NH3 no equilíbrio)

Como conciliar, então, esses dois fatores antagônicos?

É neste ponto que se destaca o mérito de Haber, pois, através de seu método, ele descobriu condições economicamente aceitáveis para produzir amônia e conciliar esses dois fatores: pressão de 200 a 600 atm, 450oC e catalisadores (uma mistura de Fe, K2O e Al2O3).

Atingindo um rendimento de aproximadamente 50%, seu método permitia ainda que as sobras de N2 e H2 fossem recicladas para produzir mais amônia.
O processo Haber é mais um exemplo do impacto que a Química
pode provocar na sociedade.

Em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha era dependente dos depósitos de nitrato de sódio que existiam no Chile, usados na fabricação de explosivos.

Durante a guerra, navios da marinha adversária bloquearam os portos da América do Sul e a Alemanha passou a utilizar exaustivamente o processo Haber pra produzir amônia e seus derivados usados em explosivos. Muitos analistas afirmam que a guerra teria durado menos tempo se a Alemanha não conhecesse o processo desenvolvido por Haber, um convicto patriota, que também pesquisou o uso do gás cloro como arma química de guerra. Devido a esse envolvimento com os esforços de guerra, seu prêmio Nobel de Química foi muito criticado. Interessante – e irônico – também é o fato de que Haber foi expulso da Alemanha, em 1933, por ser judeu. Certamente ele não viveu o suficiente para ver seu método contribuir na produção de alimentos para bilhões de
pessoas e todas as raças.

A importância do estudo da combustão

O trabalho de Lavoisier ­–que investigou a combustão, derrubou a teoria do flogístico e esclareceu o conceito de elemento químico– teve também grande impacto social.

A metalurgia do ferro envolve a redução de seus minérios –na maior parte óxidos de ferro– com carvão. Executar esse processo dentro dos padrões econômicos exige conhecimento dos acontecimentos: uma reação que envolve o carbono do carvão com o oxigênio do óxido, e não uma troca de flogístico. Além disso, o desenvolvimento da maquina a vapor, na segunda metade do século XVIII, por James Watt (1736-1819), trouxe, de um lado, aumento da demanda de carvão e , de outro, meios para obter mais carvão. De fato, a partir da máquina de Watt foi possível bombear eficientemente a água que inundava os túneis das minas e construir elevadores com grande capacidade de carga. Em conseqüência disso, os poços de acesso se tornaram mais profundos e as minas, mais produtivas.

Com o aumento da disponibilidade de carvão, a metalúrgica foi incrementada. A manufatura de objetos de ferro e seu emprego em múltiplas aplicações cresceram.

Se as idéias de que o carvão era flogístico quase puro e de que um metal tinha sua formação cal metálica mais flogístico tivessem prevalecido, um desenvolvimento fundamental para o progresso teria sido retardado. O trabalho de Lavoisier e dos químicos que com ele colaboraram se constituiu na contribuição da química para a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX.

A importância dos plásticos

O estudo dos polímeros permitiu a obtenção de fibras artificiais e plásticos. Para isso, trabalhos fundamentais foram feitos nos laboratórios de pesquisa das universidades, como aqueles estudos realizados por Staudinger. Contudo, grandes sucessos foram conseguidos em laboratórios industriais de P&D.
Na Europa da primeira metade do século XX, a IG Farben investiu intensos esforços na produção de fibras industriais mais resistentes. Alem de ter executado investigações pioneiras de aplicação dos raios X para a elucidação da estrutura de fibras, desenvolveu tipos diferentes de poliestireno, polivinil, acrílico e borrachas sintéticas do tipo Buna (polibutadieno).

A importância da P&D industrial no campo de polímeros também se evidencia no caso do náilon, do neoprene e do teflon (politetrafluoroetileno), criados pela firma química norte-americana du Pont. Para nos restringirmos ao caso do náilon, é relevante destacar que seu sintetizador, W.H.Carothers, era pesquisador da universidade de Harvard e foi convidado, em 1928, para assumir uma posição naquela indústria, em uma clara demonstração de agudo senso de percepção do futuro por parte dos diretores da empresa. Vê-se aqui que não existe grande distância entre o conhecimento acadêmico e o aplicado. É bom ressaltar que a segunda metade do século XX se caracterizou pela diminuição dos prazos entre os desenvolvimentos fundamentais e sua utilização em larga escala.


A própria du Pont, por volta de 1970, desenvolveu um novo plástico, o kevlar. Vimos essa poliamida, semelhante ao náilon, mencionado no capitulo 6. O ponto importante é que uma diferença química estrutural (monômeros aromáticos, isto é, contêm anéis benzênicos em vez de cadeias hidrocarbônicas abertas do náilon), é a responsável por profundas alterações de propriedades.
O kevlar, uma poliamida aromática ou “aramida”, é tão resistente que permite fazer chapas e coletes a prova de bala e outros objetos já mencionados. Tão resistente que, no inicio da década de 90, chassis de automóveis, como as esportivas Ferrari, passaram a ser fabricados com esse material.

A química e o meio ambiente

O mundo se vê atingido por problemas em escala global, isto é, que cobrem todo o planeta. A maioria das pessoas, per exemplo, já esta familiarizada com o efeito estufa, que eleva a temperatura da Terra, e com os perigos dos buracos na camada de ozônio da estratosfera. A diminuição da concentração de ozônio permite que os nocivos raios ultravioletas atinjam o solo com uma maior intensidade. Os dois casos decorrem da atividade humana; no primeiro, através da produção do dióxido de carbono pela queima de combustíveis fosseis, e, no segundo, pela liberação de clorofluorocarbonetos (de aerossóis) ou óxidos de nitrogênio (de motores de combustão interna).



A situação se complica ainda mais pelo fato de que o transporte rápido e a comunicação instantânea aumentam o número de consumidores das mais variadas substâncias. Da demanda resulta a necessidade de produção em imensas quantidades. Aparecem enormes instalações industriais acompanhadas do embarque por vias aérea, terrestre e marítima de grandes quantidades de materiais potencialmente perigosos. O resultado de poluição e de agressão ambiental.




Esses aspectos podem levar aqueles que agem por impulsos a simplesmente condenar a química. Mas, na realidade, os problemas encontram solução na própria química: por exemplo, através de modificações de catalisadores e de processos produtivos, cujo resultado é a diminuição dos custos e dos volumes de efluentes das fábricas. É possível realizar progressos mais drásticos, como criar novos procedimentos industriais que simplesmente não produzam rejeitos! Essa é uma solução radical em pleno desenvolvimento. Adicionalmente, pode se contar com a reciclagem e a reutilização.

Os metais, os papeis e muitos plásticos podem ser reciclados transformando-se em materiais disponíveis para uma reutilização. Isso evita muitas etapas de extração e processamento industrial, preservando, assim, o meio ambiente. Por outro lado a reutilização, ao invés do “uso-e –descarte”, especialmente de embalagens, é um hábito econômica e ambientalmente saudável que deve passar a fazer parte da vida de todas as comunidades.

Não se deve esquecer que o conhecimento sobre estabilidade e a reatividade de muitas substancias, naturais e sintéticas, que ocorrem na atmosfera e no solo, nas águas de rios e mares é ainda incompleto! Portanto, muito esforço de investigação química ainda esta por ser realizado no sentido de esclarecer quais são os reais riscos ecológicos e de saúde. Do resultado das futuras descobertas, surgirão alternativas hoje impredizíveis e imprevisíveis a fim de resolver problemas ambientais.